“Já estamos na segunda onda”, afirma pesquisador da USP sobre novo coronavírus

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O professor Domingos Alves é pesquisador e responsável pelo Laboratório de Inteligência em Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, e nós vamos falar sobre a atual situação da pandemia no Brasil e no mundo.
Para começar, explica pra gente como vem sendo feito o enfrentamento à Covid-19 no Brasil. “O cenário brasileiro da Covid-19 é de politização da disseminação do vírus. Mais recentemente, a partir de setembro, o Brasil vem praticando em vários estados uma diminuição sensível no número de testes para a Covid-19, aumentando a proporção de testes rápidos, que são menos efetivos em relação aos testes de PCR. Dito isso, desse cenário de subnotificações que a gente tem observado aqui no Brasil, é possível observar um aumento sensível nas taxas de infecção em vários estados brasileiros. Temos hoje 21 estados com taxa de infecção acima de 1. Desses 21 estados, 16 estão com essa taxa acima de 1 há 14 dias.”

Como que funciona essa taxa móvel que o senhor citou, o “Rt”?
“O ‘Rt’ é uma medida que você faz – ela é indireta e, inclusive, bastante perigosa – e ela te diz num local como que está se dando a taxa de infecção. Se o Rt está acima de 1, significa que uma pessoa está infectando uma ou mais pessoas naquele lugar. Se está abaixo de 1, essa taxa de infecção está sob controle. Quando olhamos essa taxa de infecção nos municípios, podemos fazer uma média móvel dos últimos 14 dias. Hoje, eu observo que temos 16 estados em que faz 14 dias que essa taxa de infecção está acima de 1, ou seja, tem uma permanência. É de se esperar que esses estados e municípios devem, nesses 14 dias e daqui para frente, aumentar o número de infectados nesses lugares.”
Com as eleições no último domingo (15) e com um segundo turno vindo aí, o senhor considera que há riscos de subir o número de casos? As medidas adotadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foram suficientes?

“Antes de mais nada, é importante frisar o seguinte: todas as medidas adotadas para reduzir a taxa de contato são necessárias. Elas nunca foram, como tem sido ‘ventilado’, suficientes. A única medida que vai ser suficiente para conter o avanço da pandemia vai ser a vacinação e a vacinação em massa. A despeito de existir bastante evidência que o uso de máscara teve um papel importantíssimo na contenção tanto da disseminação quanto da gravidade das pessoas que se infectaram. Ainda não é possível aferir se essas medidas tomadas durantes as eleições foram suficientes e se isso pode causar uma retomada no número de casos. O que é importante frisar é que, entre os períodos de eleição, está havendo um apagão de dados e de informações, muito movido pela própria eleição. Por exemplo, prefeitos que estão disputando as eleições não querem mostrar para a população que o vírus está circulando no município dele. Pelo contrário, eles querem mostrar que tiveram uma ação efetiva, positiva, coisa que não aconteceu nos municípios brasileiros de uma maneira geral.”

Se comparamos a situação da pandemia no Brasil com o que está acontecendo na Europa, é possível afirmar que o Brasil está passando por uma segunda onda da doença?
“Se eu for levar efetivamente o nosso cenário a sério, nós nunca saímos da primeira onda. Tivemos uma declinação de casos e de óbitos que vinham sendo observados. Se você olhar o gráfico norte-americano, isso aconteceu lá também. E se eu levar em consideração as definições científicas, eu não deveria dizer que estamos na segunda onda. A minha afirmação é de que estamos na segunda onda por causa de dois motivos fundamentais: nós estamos praticando um número de casos cada vez menor porque o número de testes diminuiu de uma maneira sustentada a partir do final de agosto e agora, nessas duas últimas semanas, estamos observando um agravamento no número de casos e da transmissão. Em um cenário de subnotificação constante e de queda de exames, não era de se esperar que houvesse esse aumento no número de casos. E não era de se esperar um aumento no número de internações. Esse número é consequência do aumento de casos. Mas a gente não viu esse aumento de casos antes do aumento de internações porque estávamos diminuindo o número de testes de casos. A situação que vivemos agora, e eu continuo afirmando, nós já estamos na segunda onda.”

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