Das redes sociais às ruas, um assunto virou o centro das conversas dos brasileiros: o fim da escala 6×1. O que começou com o Movimento VAT (Vida Além do Trabalho) — que criou uma petição apoiada por mais de 2,9 milhões de pessoas —, tornou-se uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), apresentada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). Nesta semana, o texto alcançou as assinaturas necessárias para começar a tramitar no Congresso Nacional.
Até lá, dúvidas quanto à viabilidade da proposta, que tem um longo caminho de discussões pela frente, aos possíveis impactos aos empregadores e os benefícios aos trabalhadores, devem continuar levantando discussões.
O advogado constitucionalista Henderson Fürst, professor da PUC-Campinas, explica que, após conseguir as assinaturas necessárias, a proposta ainda precisará passar por avaliação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. A etapa seguinte da tramitação regular deverá envolver debates nas comissões temáticas da casa legislativa, onde é feita a avaliação de mérito. Depois, ela segue para o plenário, onde é necessário apoio de 3/5 (ou seja, 308 dos 513 deputados federais) em dois turnos de votação. Superada esta etapa, ainda tem todo o trâmite no Senado Federal, que conta com igual exigência de quórum no plenário (49 dos 81 votos disponíveis).
Conforme a proposta avança nessas etapas, mudanças na PEC podem ocorrer. “As assinaturas [dos deputados federais], portanto, representaram um primeiro passo de uma longa jornada. O texto pode ser alterado substancialmente em cada passo”, afirma Fürst. Atualmente, a proposta da deputada Erika Hilton sugere uma alteração no inciso XIII do artigo 7º da Constituição Federal de 1988, para:
“duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 36 horas semanais, com jornada de trabalho de 4 dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”
— Nova redação sugerida pela PEC apresentada pela deputada federal Erika Hilton.
Isso porque, hoje, a Constituição estabelece o limite semanal de trabalho em 44 horas. Junto a isso, a escala 6×1 torna-se viável por meio do artigo 67 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, que garante ao trabalhador um descanso semanal de 24 horas consecutivas. Já o artigo 1º da Lei 605, de 1949, institui o direito ao repouso semanal remunerado, preferentemente aos domingos.
Trabalhadores e empresas de olho na PEC
Zineide Silveira, de 59 anos, é auxiliar de limpeza em uma empresa que presta serviços terceirizados. Moradora do ABC Paulista, sai de casa às 9h30, em Diadema, para iniciar o trabalho às 11h40 em uma varejista, em São Caetano do Sul. Seu expediente vai até as 20h e, somente às 21h30, ela está em casa. “Mas essa é a minha escala de segunda a quinta-feira. Na sexta, trabalho das 10h30 às 19h e, aos sábados, das 6h às 14h20”, detalha.
Sua folga semanal é apenas aos domingos, mas ela preferia que fosse no meio da semana. Esse descanso já chegou a ser todas as sextas-feiras, dia em que reservava para ir em consultas médicas, resolver questões bancárias e até fazer um curso de informática — que precisou abandonar, por não se encaixar na rotina com a mudança do dia de folga. Por mês, recebe um salário de R$ 1.588, sem considerar os descontos da CLT.
Ela conta que começou a ouvir sobre o fim da escala 6×1 em redes sociais de vídeos, como TikTok e Kwai, e logo o assunto chegou ao trabalho. “Minhas colegas acham que não vai dar em nada. Trabalhadores como nós não são valorizados”, diz. Apesar disso, Zineide torce para que a proposta avance e, quem sabe, seja aprovada. Para a trabalhadora, uma jornada de segunda a sexta-feira seria a ideal.
“No feriado de finados (2/11), não trabalhei. Então, no sábado, organizei a minha casa e descansei. No domingo, fiz as compras da semana e reuni a família num almoço. Quando folgo só um dia, não costumo fazer muita coisa, somente descansar”
Não existe almoço grátis
Mas ainda que a carga semanal de trabalho possa sair das atuais 44 horas para 36 horas, as empresas vão poder manter o funcionamento 6×1 para o público ─ o que exigiria novas escalas para funcionários aderentes às regras previstas na proposta.
Além disso, o salário não pode ser reduzido. No entanto, os reajustes e o crescimento da remuneração podem ser comprometidos. Juliana Mendonça, sócia do Lara Martins Advogados, e especialista em Direito e Processo do Trabalho, aponta que, a longo prazo, caso ocorra a mudança, muitos trabalhadores não terão os reajustes salariais adequados.
Ela frisa que os pisos salariais deverão ser reajustados conforme estabelecido em lei e nos ajustes das convenções coletivas de trabalho. “Porém, [no caso dos] trabalhadores que não têm um acordo coletivo que preveja anualmente um aumento salarial, a expectativa é que os empregadores não façam a correção da inflação. Porque, em algum momento, eles vão precisar contratar outros empregados para suprir a demanda desses outros dias da semana.”
A pedido do InfoMoney, Washington Barbosa, mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, fez o cálculo do custo para o empregador de manter um trabalhador que ganha dois salários mínimos por mês (R$ 2.824) durante um ano. “Computando a contribuição previdenciária, o depósito para o FGTS, o adicional de 1/3 de férias e o 13º salário, esse empregado tem um custo de R$ 47.047,84 por ano.”
Para Barbosa, um possível fim da escala 6×1 também pode levar a cenários que não necessariamente seriam positivos aos trabalhadores. “Não existe almoço grátis: ou vão reduzir as contratações, ou vão ‘pejotizar’ os funcionários”, diz.
Desde que a reforma trabalhista passou a permitir a terceirização de todas as atividades fins de uma empresa, a contratação de Microempreendedores Individuais (MEIs) tem se tornado comum. No entanto, por ser uma relação entre duas pessoas jurídicas, os direitos trabalhistas não asseguram o “colaborador que presta serviços” e não é CLT.
Escala 6×1 está perto do fim?
A PEC pelo fim da escala 6×1 furou a bolha das redes sociais, ganhou o apoio de trabalhadores e ainda pressionou para que deputados federais, da esquerda à direita, se posicionassem sobre a proposta. No entanto, esse não é o primeiro instrumento político que visa fazer mudanças na jornada de trabalho de até 6 dias.
Em 2015, a PEC 148/2015 foi apresentada com intuito semelhante. Nela, o senador Paulo Paim (PT-RS) sugeriu um limite na jornada de trabalho em 8 horas diárias e de 40 horas semanais. A partir da aprovação da emenda, a carga da semana, gradualmente, seria reduzida até chegar a 36 horas. A proposta foi arquivada sem ser votada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em 2022, mas, no ano passado, Paim pediu pelo desarquivamento e ela retomou tramitação.
Outras propostas que também estão no Senado são o Projeto de Lei 1.105/2023, do senador Weverton (PDT-MA), e o Projeto de Resolução do Senado (PRS) 15/2024, da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS). O primeiro, propõe a redução facultativa das horas trabalhadas diárias ou semanais sem perda na remuneração; já o segundo, quer estabelecer uma “premiação” como forma de incentivo às empresas que reduzirem a jornada dos seus trabalhadores sem a diminuição dos salários.