Fim da escala 6×1? Entenda o que está em jogo para trabalhadores e empresas

Estado promove mutirão de emprego com 1.784 vagas para operador de telemarketing na Agencia do Trabalhador. Foto: Geraldo Bubniak/AEN

Das redes sociais às ruas, um assunto virou o centro das conversas dos brasileiros: o fim da escala 6×1. O que começou com o Movimento VAT (Vida Além do Trabalho) — que criou uma petição apoiada por mais de 2,9 milhões de pessoas —, tornou-se uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), apresentada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). Nesta semana, o texto alcançou as assinaturas necessárias para começar a tramitar no Congresso Nacional.

Até lá, dúvidas quanto à viabilidade da proposta, que tem um longo caminho de discussões pela frente, aos possíveis impactos aos empregadores e os benefícios aos trabalhadores, devem continuar levantando discussões.

O advogado constitucionalista Henderson Fürst, professor da PUC-Campinas, explica que, após conseguir as assinaturas necessárias, a proposta ainda precisará passar por avaliação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. A etapa seguinte da tramitação regular deverá envolver debates nas comissões temáticas da casa legislativa, onde é feita a avaliação de mérito. Depois, ela segue para o plenário, onde é necessário apoio de 3/5 (ou seja, 308 dos 513 deputados federais) em dois turnos de votação. Superada esta etapa, ainda tem todo o trâmite no Senado Federal, que conta com igual exigência de quórum no plenário (49 dos 81 votos disponíveis).

Conforme a proposta avança nessas etapas, mudanças na PEC podem ocorrer. “As assinaturas [dos deputados federais], portanto, representaram um primeiro passo de uma longa jornada. O texto pode ser alterado substancialmente em cada passo”, afirma Fürst. Atualmente, a proposta da deputada Erika Hilton sugere uma alteração no inciso XIII do artigo 7º da Constituição Federal de 1988, para:

“duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 36 horas semanais, com jornada de trabalho de 4 dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”

— Nova redação sugerida pela PEC apresentada pela deputada federal Erika Hilton.

Isso porque, hoje, a Constituição estabelece o limite semanal de trabalho em 44 horas. Junto a isso, a escala 6×1 torna-se viável por meio do artigo 67 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, que garante ao trabalhador um descanso semanal de 24 horas consecutivas. Já o artigo 1º da Lei 605, de 1949, institui o direito ao repouso semanal remunerado, preferentemente aos domingos.

Trabalhadores e empresas de olho na PEC

Zineide Silveira, de 59 anos, é auxiliar de limpeza em uma empresa que presta serviços terceirizados. Moradora do ABC Paulista, sai de casa às 9h30, em Diadema, para iniciar o trabalho às 11h40 em uma varejista, em São Caetano do Sul. Seu expediente vai até as 20h e, somente às 21h30, ela está em casa. “Mas essa é a minha escala de segunda a quinta-feira. Na sexta, trabalho das 10h30 às 19h e, aos sábados, das 6h às 14h20”, detalha.

Sua folga semanal é apenas aos domingos, mas ela preferia que fosse no meio da semana. Esse descanso já chegou a ser todas as sextas-feiras, dia em que reservava para ir em consultas médicas, resolver questões bancárias e até fazer um curso de informática — que precisou abandonar, por não se encaixar na rotina com a mudança do dia de folga. Por mês, recebe um salário de R$ 1.588, sem considerar os descontos da CLT.

Ela conta que começou a ouvir sobre o fim da escala 6×1 em redes sociais de vídeos, como TikTok e Kwai, e logo o assunto chegou ao trabalho. “Minhas colegas acham que não vai dar em nada. Trabalhadores como nós não são valorizados”, diz. Apesar disso, Zineide torce para que a proposta avance e, quem sabe, seja aprovada. Para a trabalhadora, uma jornada de segunda a sexta-feira seria a ideal.

“No feriado de finados (2/11), não trabalhei. Então, no sábado, organizei a minha casa e descansei. No domingo, fiz as compras da semana e reuni a família num almoço. Quando folgo só um dia, não costumo fazer muita coisa, somente descansar”

— Zineide Silveira, auxiliar de limpeza que trabalha na escala 6×1.
A auxiliar de limpeza não está sozinha. Uma pesquisa do DataSenado mostra que, para 54% dos brasileiros, uma jornada mais curta iria melhorar a vida dos trabalhadores. Entre os entrevistados, 47% afirma trabalhar mais do que 5 dias na semana. Além disso, 85% acredita que, com 1 dia de folga a mais, teria mais qualidade de vida, sendo que 40% ainda disse que dedicaria mais tempo à família.

Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o setor em que Zineide atua é o que mais gerou trabalhos formais de janeiro a setembro deste ano: 1.009.581 pessoas foram admitidas. Em seguida, vem o comércio (505 mil vagas), a indústria (350 mil) e a construção (206 mil). Entidades e representações empresariais têm se posicionado contra o fim da escala 6×1, sobretudo se ela for substituída pela 4×3.

Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) disse, em nota, que, embora valorize iniciativas que promovam o bem-estar dos trabalhadores, a imposição de uma redução da jornada, sem a correspondente redução de salários, implicará no aumento dos custos das empresas. “Ao invés de gerar novos postos de trabalho, a medida pode provocar uma onda de demissões”, afirma a entidade.

Posição similar foi apresentada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Em nota distribuída na última quarta-feira (13), a entidade indicou ser contrária à aprovação do projeto e afirmou que qualquer alteração na jornada de trabalho deve ser acertada por meio de acordos coletivos entre empregadores e empregados.

Na mesma toada, a Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA) e a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) lançaram posicionamentos contrários à PEC. Em entrevista para o jornal Folha de S.Paulo, o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci Júnior, chamou a ideia como “estapafúrdia”. “Todo mundo quer bar e restaurante disponível a semana inteira, e querem a custo baixo. E já estamos com dificuldades enormes com trabalhadores.”

Bem-estar e produtividade: a escala 4×3 é viável?

Funcionários mais focados e produtivos estariam entre as possíveis consequências de 1 dia a mais de descanso aos trabalhadores da escala 6×1. Pelo menos é isso o que avalia Paul Ferreira, professor de Gestão Estratégica e diretor Acadêmico da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP). “Condições de trabalho melhores trariam um retorno positivo para esses setores, reduzindo a rotatividade e melhorando o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.”

Ferreira foi um dos pesquisadores da FGV que atuou no projeto piloto da 4 Day Week Brazil (4DWB). Entre os resultados apresentados pelas empresas participantes, ao reduzir 20% da jornada, mantendo 100% da remuneração e da produtividade, a receita e o lucro aumentaram 72,7% e 63,6%, respectivamente. Mas 33,3% delas precisaram contratar mais para se adequarem à escala 4×3. Além disso, as organizações participantes tinham um perfil mais administrativo e concentrado em escritórios.

“A transição para uma jornada reduzida precisa ser feita com cuidado, e adaptada às características de cada setor. No piloto, as empresas tinham liberdade para ajustar a redução de jornada conforme suas necessidades, com formatos mais adequados para cada contexto”

— Paul Ferreira, professor e diretor acadêmico da FGV EAESP.
Caso a jornada 44 horas por semana deixe de ser admitida pela CLT, o professor ressalta que o governo precisaria desempenhar um papel importante nesse processo. Segundo ele, a França é um exemplo de país onde a redução da jornada, para até 39 horas semanais, foi mais uma dificuldade para as empresas menores. “O governo deve fornecer incentivos e suporte técnico, principalmente para empresas de menor porte, tornando a implementação viável e sustentável.”
Dados do Sebrae mostram que, de janeiro a julho deste ano, as microempresas (ME) e as de empresas de pequeno porte (EPP) responderam por 60% das 1,49 milhão de contratações contabilizadas em todos os setores. No caso das ME que realizam atividades do comércio e de serviços, o faturamento anual não pode ultrapassar R$ 360 mil, com até 9 funcionários. Já as EPP, podem faturar até 4,8 milhões ao ano, chegando a 49 funcionários. A empresa terceirizada na qual Zineide trabalha é considerada de médio porte, portanto, admite até 499 funcionários, com um faturamento ao ano que pode variar entre R$ 4,8 milhões e R$ 20 milhões.

Não existe almoço grátis

Mas ainda que a carga semanal de trabalho possa sair das atuais 44 horas para 36 horas, as empresas vão poder manter o funcionamento 6×1 para o público ─ o que exigiria novas escalas para funcionários aderentes às regras previstas na proposta.

Além disso, o salário não pode ser reduzido. No entanto, os reajustes e o crescimento da remuneração podem ser comprometidos. Juliana Mendonça, sócia do Lara Martins Advogados, e especialista em Direito e Processo do Trabalho, aponta que, a longo prazo, caso ocorra a mudança, muitos trabalhadores não terão os reajustes salariais adequados.

Ela frisa que os pisos salariais deverão ser reajustados conforme estabelecido em lei e nos ajustes das convenções coletivas de trabalho. “Porém, [no caso dos] trabalhadores que não têm um acordo coletivo que preveja anualmente um aumento salarial, a expectativa é que os empregadores não façam a correção da inflação. Porque, em algum momento, eles vão precisar contratar outros empregados para suprir a demanda desses outros dias da semana.”

A pedido do InfoMoney, Washington Barbosa, mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, fez o cálculo do custo para o empregador de manter um trabalhador que ganha dois salários mínimos por mês (R$ 2.824) durante um ano. “Computando a contribuição previdenciária, o depósito para o FGTS, o adicional de 1/3 de férias e o 13º salário, esse empregado tem um custo de R$ 47.047,84 por ano.”

Para Barbosa, um possível fim da escala 6×1 também pode levar a cenários que não necessariamente seriam positivos aos trabalhadores. “Não existe almoço grátis: ou vão reduzir as contratações, ou vão ‘pejotizar’ os funcionários”, diz.

Desde que a reforma trabalhista passou a permitir a terceirização de todas as atividades fins de uma empresa, a contratação de Microempreendedores Individuais (MEIs) tem se tornado comum. No entanto, por ser uma relação entre duas pessoas jurídicas, os direitos trabalhistas não asseguram o “colaborador que presta serviços” e não é CLT.

Escala 6×1 está perto do fim?

PEC pelo fim da escala 6×1 furou a bolha das redes sociais, ganhou o apoio de trabalhadores e ainda pressionou para que deputados federais, da esquerda à direita, se posicionassem sobre a proposta. No entanto, esse não é o primeiro instrumento político que visa fazer mudanças na jornada de trabalho de até 6 dias.

Em 2015, a PEC 148/2015 foi apresentada com intuito semelhante. Nela, o senador Paulo Paim (PT-RS) sugeriu um limite na jornada de trabalho em 8 horas diárias e de 40 horas semanais. A partir da aprovação da emenda, a carga da semana, gradualmente, seria reduzida até chegar a 36 horas. A proposta foi arquivada sem ser votada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em 2022, mas, no ano passado, Paim pediu pelo desarquivamento e ela retomou tramitação.

Outras propostas que também estão no Senado são o Projeto de Lei 1.105/2023, do senador Weverton (PDT-MA), e o Projeto de Resolução do Senado (PRS) 15/2024, da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS). O primeiro, propõe a redução facultativa das horas trabalhadas diárias ou semanais sem perda na remuneração; já o segundo, quer estabelecer uma “premiação” como forma de incentivo às empresas que reduzirem a jornada dos seus trabalhadores sem a diminuição dos salários.


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