Família: fonte de vocações e de entrega total ao Plano de Deus

Pais de Leonardo bastante emocionados no dia de sua ordenação diaconal Foto: Juliano Kelniar/Fábio Cembrani

Uma das mais bonitas expressões da relação pai e filho está presente nesta edição da Revista Cristo Rei, a Revista da Comunidade Católica. Em perfeita união, nossa capa sintetiza os sorrisos, alegria, felicidade e, no abraço afetuoso, a segurança de que a caminhada vocacional se realiza pela ação de Deus dentro de um processo de discernimento que cada um pode realizar individualmente, mas com o apoio da família.

O diácono Leonardo Ribeiro de Souza Castro e seu pai Benedito materializam tudo aquilo que se ouve falar sobre o papel da família na formação humana e, neste caso específico, a sua contribuição para a vocação sacerdotal. Fica mais evidente que a família deve se esforçar todos os dias para ser fonte de vocações. Como diz Pe. Marcelo Ribeiro da Silva, assessor diocesano da Pastoral Vocacional: “Que ao menos se dê essa oportunidade aos jovens”.

A vocação é construída diariamente pelos bons exemplos de pais e mães na relação conjugal, sobretudo pelo testemunho de fé que possibilitam aos filhos, desde o simples convite à oração em casa até a participação nas missas. Retiros e outros eventos de caráter formativo são elementos que abrem esse espaço para o jovem conhecer a realidade existencial e, com a experiência proporcionada, inclusive pela Igreja, acender essa chama que continua inquietar adolescentes e jovens que ingressam nos seminários da Diocese de Toledo.

A beleza da família reside no seu princípio de estar a serviço da vida. Uma vez exercendo essa missão, os casais “formam os filhos para a vida, de modo que cada um realize plenamente o seu dever segundo a vocação recebida de Deus”. Essa é o ensinamento do Papa São João Paulo II, em 1981, quando publicou a Exortação “Sobre a função da família cristã no mundo de hoje” – Familiaris Consortio, que vale a pena meditar: “O ministério de evangelização e de catequese dos pais deve acompanhar também a vida dos filhos nos anos da adolescência e da juventude, quando estes, como muitas vezes acontece, contestam ou mesmo rejeitam a fé cristã recebida nos primeiros anos da vida. Como na Igreja a obra de evangelização nunca se separa do sofrimento do apóstolo, assim na família cristã os pais devem enfrentar com coragem e com grande serenidade de ânimo as dificuldades que o seu ministério de evangelização algumas vezes encontra nos próprios filhos”. Com isso, fica claro que a Igreja considera todos os pontos mais sensíveis que os pais eventualmente enfrentam no diálogo com os filhos sobre a fé. Para seguir firme e com coragem nessa árdua e ao mesmo tempo sublime missão, a família não está sozinha quando se permite acolher a Palavra.

O Diácono Leonardo vê na sua família esse esteio de oração e vivência na fé que, segundo afirma, contribuíram para que ele tivesse esse desejo de se aproximar ainda mais de Jesus Cristo, Mestre e Salvador. Pode até ser que seus pais, Benedito e Angela, tenham feito tudo o que fizeram pensando em outro resultado para o futuro do filho – assim como muitos pais fazem projeções profissionais –, mas quando Deus age, Ele acaba alargando a compreensão do sentido da existência humana.

É por isso que esta reportagem especial reúne esse momento único da ordenação presbiteral do Diácono Leonardo, no dia 5 deste mês de agosto, na Igreja Nossa Senhora do Carmo, em Assis Chateaubriand, com o Dia dos Pais e a Semana Nacional da Família. São duas vocações que se encontram: a Matrimonial, do senhor Benedito, e a sacerdotal, do filho Leonardo, mas que carregam em si a forma que toma a felicidade nesta relação muito próxima de pai e filho que provém de uma cumplicidade fortalecida pelo incentivo e experiência de fé na família.

Uma caminhada perseverante e de respeito

A entrevista começa tendo presente a foto de capa desta edição da revista da comunidade católica. Ela é de uma das ruas que direcionam ao Seminário Maria Mãe da Igreja, em Toledo, a casa formativa onde o Diácono Leonardo viveu desde 2015 e que certamente lhe ofereceu os bons ensinamentos para assumir esta missão por meio do ministério ordenado. Ali, ele estudou os conteúdos próprios da Filosofia e Teologia, realizou sua experiência seminarística, recebeu muitas orientações diante das inquietações próprias do período de discernimento e, certamente, soube aproveitar para o bem da sua vocação.

Olhar para aquela direção foi como revisitar esse passado não tão distante, mas que já faz parte da sua história vocacional. A imagem já mostra que estar naquele ambiente com seu pai tem familiaridade, emoção e muito esforço na educação para a formação de seu caráter, por meio das palavras de incentivo em vista da sua caminhada vocacional.

“Registrar esse momento nesta rua que dá a perspectiva do Seminário, mas fora dele, mostra que algumas coisas não mudam: a relação com a família. Uma relação marcada pela presença do pai, tanto no incentivo vocacional para o ingresso no seminário, quando no período ali vivido e agora nesse processo de ordenações. Graças a Deus eu posso contar com minha família para tudo isso”, afirma o diácono Leonardo. Para o senhor Benedito, essas palavras são recebidas com alegria. “Temos um carinho recíproco entre nós, um bom relacionamento entre pai e filho e agora, fazendo essa foto, bem próximo da ordenação e coincidindo com o mês dos Pais, é uma alegria para toda a família”, complementa o pai.

Depois realizada a foto, no caminho em direção à Cúria Diocesana, onde aconteceu esta entrevista, Benedito diz ter recordado da época em que o filho ingressou no Seminário. “E aí passa um filme na cabeça: todo tempo que ele passou no Seminário, as confraternizações que participamos com ele e seus colegas seminaristas, enfim, fica muito essa imagem de convivência. Foram muitas idas e vindas, e depois em casa eu e a esposa Angela dialogando sobre o que havíamos conversado com o Leonardo. Tudo isso vem à nossa memória”, diz.

Por sinal, o então seminarista Leonardo nunca havia deixado de partilhar suas alegrias e até inseguranças em determinados momentos da caminhada vocacional. Ele mesmo confirma que sempre houve esse diálogo aberto com os pais. “Nossa relação é de muita proximidade e de confiança, como deve ser a família. Nunca deixei de expor minhas tensões, mas também as minhas alegrias nos principais momentos de reflexão”, revela.

Quando a perspectiva profissional está envolvida, os pais cobram mais esforço, mais determinação, mais força e compromisso dos filhos para seguir adiante e não desistir. Muitas vezes, esse tipo de atitude pode causar frustrações. Mas com Leonardo, a família teve outra postura. “Nunca fizemos uma cobrança ao Leonardo com relação a ele permanecer no Seminário ou exigindo que ele fosse um sacerdote. Sempre o deixamos bem à vontade para fazer o amadurecimento da sua vocação. O que sempre fizemos é rezar pelas vocações, confiando em Deus”, garante Benedito.

Para Leonardo, o apoio recebido da família, ao ficar bem à vontade para o discernimento vocacional, proporcionou a liberdade, como ele mesmo descreve. “Nos trabalhos de motivação vocacional percebemos que muitas vezes é a família que deseja muito que o filho seja padre e vai pressionando um pouco o candidato que nem está no seminário. Graças a Deus eu não tive isso em casa. Até no início, quando trouxe a notícia de que queria ingressar no seminário, meus pais até pensaram ‘Como assim’? E depois isso, eu senti total apoio. De minha parte também conversava na época com eles que esse era um processo de discernimento e que poderia mudar. Lembro a única coisa que meu pai pediu: ‘Não abandonando a fé em Cristo, o resto está tudo certo’”, conta o diácono. Esse comportamento dos pais em relação à sua permanência no Seminário é o que ele caracteriza como liberdade. “Isso me deu também tranquilidade, afinal não me sentia pressionado em dar passos para corresponder à expectativa de alguém que não fosse a mim mesmo. Isso faz com que a caminhada se torne muito saudável e a resposta vem com essa liberdade”, complementa.

“Não mudamos o que é vontade de Deus”

Aos poucos, parece que a missão do senhor Benedito, como pai, está cumprida. Para alguns, até pode significar que de agora em diante ele não precisa mais se preocupar. Passou o processo formativo, filho encaminhado, vocação estabelecida, ordenação agendada. Será que é isso mesmo? Leonardo responde antes do pai: “Acho difícil”. Mais uma vez, mostra-se a força da relação entre os dois.

“Em casa, sempre fomos muito apegados, muito próximos. O Leonardo está aí para ser ordenado e continuamos os mesmos, com muita proximidade. Isso é muito forte entre nós. Acho que é natural da família que está bem próxima de Deus”, entende Benedito.

Nesse momento da entrevista, o senhor Benedito não conteve as lágrimas de felicidade ao recordar todo esse apoio dado à decisão de Leonardo quando ele mesmo teve a atitude ingressar no Seminário. Esse momento representa muito para Benedito, interpretando como se Deus estivesse conversando com ele que preparava algo diferente para Leonardo. Assim que ele lembrou do Evangelho de João, a emoção o alcançou e uma breve pausa na entrevista foi necessária para um amparar o outro. Realmente, algo muito forte nesse contexto familiar e vocacional. “Toda família pensa na escolha da profissão, mas a questão da vocação sacerdotal e religiosa cabe muito naquele versículo ‘Não foste vós que me escolheste, mas eu vos escolhi’ (Jo 15,16). Já tínhamos uma boa caminhada na Igreja como família e para mim e a Angela foi um chamado de Deus quando o Léo ingressou em2015 no Seminário. Creio que era Deus que colocava sua mão, e tudo que é sua vontade não mudamos”, disse Benedito emocionado, agora abraçado com o filho.

“No momento que eu falei que ingressaria no Seminário o pai esboçou um certo espanto porque estávamos nos propondo a outro caminho, com perspectiva de outro futuro. Naquele momento ele fazia um investimento educacional em mim, pensando numa resposta profissional. Lembro que ele me perguntou se era isso mesmo e se eu tinha certeza. Então, passamos por aquele momento do ‘baque’, de uma certa estranheza, mas logo em seguida veio o apoio irrestrito”, lembra o diácono. “Foi um baque, mas depois vimos que era um chamado”, completa o pai admitindo que havia imaginado outro futuro para Leonardo. “Todo pai passa por isso. No ensino médio falávamos sobre profissões e não tínhamos ouvido do Leonardo sobre a possibilidade de ser sacerdote. Esse nunca foi o assunto. Era sempre falar de uma boa profissão, fazer uma faculdade. Essa era a nossa perspectiva para o Léo. Mas quando ele disse que para nós que entraria no seminário, o apoiamos da mesma forma”, destaca.

Pais de Leonardo bastante emocionados no dia de sua ordenação diaconal
Foto: Juliano Kelniar/Fábio Cembrani

A proximidade da família com Deus

Quando Benedito conheceu Angela e disseram sim um ao outro, recebendo o Sacramento do Matrimônio, assumiram um compromisso de formar família, e vieram os filhos: Leonardo e Rafael. Muitas situações ocorreram na vida da família, como acontece com todas na preocupação com o trabalho, sustento do lar, saúde e educação, entre tantos desafios. Mas o que os mantém é a fé.

Como pai, Benedito compreende a caminhada na Igreja deu sustentação muito grande para a família. “Lembro que o Leonardo tinha três meses e já estava conosco no Encontro de Casais com Cristo. Também fizemos o Cursilho, Renovação Carismática Católica e participamos muito ativamente, inclusive como Ministro Auxiliar da Comunidade. Essa caminhada na Igreja ajudou a estrutura a família na parte espiritual, na convivência, na superação de muitos desafios e provações que aconteceram, na saúde, no trabalho e na tomada de decisões. Nós sempre falamos em casa que tudo é graça de Deus, basta confiar. Sempre vimos que o que passamos foi para que pudéssemos colher frutos. Acredito que isso contribuiu muito para a vocação do Leonardo porque os pais participando da Igreja e fazendo essa caminhada com os filhos juntos, queira ou não, influencia na decisão. Poderia até ser uma vocação matrimonial, mas eu acho que esse foi o ponto-chave para que o Leonardo pudesse dar o sim à vocação sacerdotal. Enquanto criança ele estava junto conosco, mas na juventude já ‘desvencilhou’ e foi caminhar com as próprias pernas, sempre com alegria”, recorda entusiasmado.

O diácono Leonardo carrega consigo outro exemplo de seu pai: o sentimento de doação de si para a família. “É um modo de amar que vejo como exemplo para o ministério presbiteral, porque não sou padre para mim. O padre é para os outros. É um amor que precisa sempre ser dado, exposto, doado. Do testemunho do pai, além da honestidade, honradez e firmeza de caráter, carrego comigo esse amor-serviço, um exemplo de doação, de se entregar ao outro”, garante.

A missão de evangelizar tem sua continuidade na transmissão dos valores cristãos
Foto: Paulo Weber Junior

Os valores familiares na missão do sacerdote

Todo pai tem grandes responsabilidades com sua família. O padre, na tradução do italiano, é pai também, com a diferença na quantidade de “filhos”. Chegando ao fim desta entrevista, o pai Benedito gostaria que o filho Leonardo, futuro pai das comunidades de fé junto de Cristo, viva a plenitude desta missão como sacerdote.

“Desejo que seja um grande pai para as comunidades onde ele servir a Igreja; um bom pai, um bom pastor para conduzir os fiéis, os filhos, na fé. Que ele possa ser essa pessoa que leve Deus às pessoas como o pai de uma grande família. Imaginar o tamanho da missão, quantos filhos, eu acho que é muito semelhante a missão do padre com a missão do pai de família que é cuidar bem dos filhos e dar o suporte na fé, principalmente”, afirma.

Ao ouvir isso do pai, o diácono Leonardo faz uma reflexão sobre esse momento em que está diante da missão de Jesus, que muitas vezes parece não ser fácil de compreender, por conta das suas exigências. “Eu acredito que é isso que faz o ministério manter a sua beleza. O que Cristo nos dá são princípios, que a Igreja legisla, mas ainda assim a existência sempre guarda suas surpresas. Lembro Seminário quando ainda era tomado por uma ‘síndrome de Superman’ – que o padre era um pai com superpoderes, polivalente, sem grandes fragilidades – e quando você começa a tocar a existência humana, e a própria existência inclusive, caímos em si e vemos que o padre pode ser eu. Mas o que faz com que um homem, como ser humano, com potencialidades, características positivas, mas também fragilidades e limitações, pode tomar sobre si tamanha responsabilidade que é participar desse sacerdócio de Jesus Cristo? É aqui que entramos na dinâmica da graça de Deus. Eu faço a minha experiência da misericórdia de Deus, e acredito que todos nós fazemos. Você não barganha misericórdia, mas como todas as outras pessoas somos convidados, todos os dias, à conversão e crescimento interior, e isso se dá no relacionamento com Deus. Todos precisamos ter consciência de quem somos e não nos arrogarmos diante de Deus”, pondera.

Como sacerdote, Leonardo tem consciência dessa responsabilidade, mas a percebe não como um grande fardo, e explica porque: “Não sou eu por mim mesmo que estará dando conta deste ministério; ele tem a minha parcela, mas se eu não estivesse sustentado pela graça de Cristo e à luz de Deus, não aguentaria tamanha missão”, compreende.

Para o diácono, tomar o sacerdócio numa perspectiva pragmática, sabendo o que o padre tem que fazer e suas responsabilidades, é um caminho. Contudo, para ele, o sacerdócio deve ser muito mais do que isso. “Quando se está diante de uma pessoa que vem buscar um direcionamento; no momento em que se está diante do presbitério e Cristo está se dando na Eucaristia, naquele pão e naquele vinho, por meio das suas mãos e da oração – que também é uma oração da Igreja, em comunhão – vai muito além de mim”, diz. É por isso que ele tem para si que no dia da ordenação sacerdotal toda a comunidade está celebrando não o eleito, mas o ministério que está sendo confiado. “É só por ter conseguido chegar a essa consciência que hoje consigo responder. É o suporte espiritual que faz com que nos sintamos seguros para fazer aquilo que não temos poder necessariamente, mas que vem de Deus e nos foi dado por meio da Igreja, mas ainda assim, senão por sua graça, nada posso e nada consigo fazer. Se não estou nessa dinâmica da graça seria impossível aceitar esse ministério ou achar ele é possível. Eu vejo que o padre tem suas potencialidades humanas, mas muito mais a graça de Deus. Somos instrumentos, porque é Deus quem faz. Mais do que uma ideia, isso é real”, sublinha.

Fonte: Revista Cristo Rei

Texto e fotos: Paulo Weber Jr / Juliano Kelniar e Fábio Cembrani