Clubes de leitura resistem à crise de leitore

Foto: Freepik

Enquanto o País perde 7 milhões de leitores, grupos de leitura crescem 35% e se firmam como espaços de resistência cultural e integração comunitária

 

um país onde as livrarias se esvaziam e os números da Câmara Brasileira do Livro revelam uma redução de 44% nas vendas de livros e a perda de cerca de 7 milhões de leitores nas duas últimas décadas, um movimento silencioso segue na contramão: o crescimento de 35% dos clubes de leitura no mesmo período, ainda segundo a entidade. Em Ribeirão Preto, o Clube Metamorfose USP é exemplo dessa resistência que une a comunidade acadêmica e o público em torno da literatura.

A foto mostra uma mulher de cabelos castanhos, lisos e soltos, com comprimento um pouco abaixo dos ombros. Ela tem pele clara, olhos escuros e um leve sorriso. Está em um ambiente interno, com luz quente e suave. Ao fundo, há uma parede de madeira clara e alguns desenhos coloridos, provavelmente infantis, pendurados ou apoiados. A imagem transmite uma sensação de tranquilidade e naturalidade.
Iara Pereira Ribeiro(FDRP) – Foto: Arquivo pessoal

À frente da iniciativa está a professora Iara Pereira Ribeiro, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, coordenadora do projeto e líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Direito e Literatura, responsável pela criação do Clube de Leitura Metamorfose USP. Desenvolvido em parceria com a biblioteca da faculdade, que adota a proposta de biblioteca viva, promovendo ações culturais e educativas que aproximem a comunidade acadêmica e o público em geral, o projeto começou em setembro de 2014, sem a designação de clube. “Era uma reunião para leitura de textos a partir de uma perspectiva jurídica. No começo, os participantes eram alunos da graduação, frequentadores das atividades do Programa Universidade Aberta à Terceira Idade, entre outros”, conta Iara.

Com o tempo, o projeto se consolidou: “Quando iniciamos a parceria com a biblioteca, a dinâmica mudou. Hoje, o Metamorfose é um clube de leitura dentro da Faculdade de Direito”, completa. Já durante a pandemia o grupo se transformou. “Em 2020, com as reuniões remotas, começaram a participar pessoas de vários Estados. Era comum ouvirmos que os encontros do grupo Metamorfose eram as atividades mais interessantes da semana”, lembra Iara. Com o aumento da participação, surgiram novos pedidos. “O pessoal queria ler outros gêneros, não só teatro. Queriam contos, poesia, romance”.

Para Priscila Figueiredo, professora do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), o fenômeno não é novo. “Penso nas academias espanholas do século 17, nos salões franceses e nas associações de leitura do século 18 na Inglaterra. Essas iniciativas acabaram sendo fundamentais para a constituição daquilo que Habermas [Jürgen Habermas, filósofo e sociólogo alemão] chamou de esfera pública burguesa”, explica. O que me parece novo é a proliferação e o fato de muitos desses encontros acontecerem na esfera digital.”

A professora reconhece que o contraste entre a queda de leitores e a multiplicação dos clubes parece contraditório, mas ela tem uma hipótese para esse fenômeno. “De um lado, há uma piora nas condições de vida, tanto pela falta de tempo como pela dificuldade de acesso aos livros, além do império avassalador da imagem, fatores que podem tragar uma massa de potenciais leitores. Mas há também os leitores estáveis, efetivamente constituídos, aqueles que conseguem preservar o hábito e formam grupos para se aprofundar. Há aqueles que entram nesses espaços para se tornar leitores mais assíduos.”

A foto mostra uma mulher de cabelos castanhos escuros e cacheados, que caem sobre os ombros. Ela tem pele clara e está sorrindo levemente. Usa uma blusa branca de mangas curtas e está em um ambiente externo, iluminado pela luz do sol. Ao fundo, há árvores e vegetação verde, além de uma construção com telhado de palha, o que dá à cena um clima natural e tranquilo, possivelmente em um local rural ou de descanso.
Priscila Loyde Gomes Figueiredo – Foto: FFLCH

Esses encontros, diz Priscila, podem ter valor formativo, socializante e até mesmo potencialmente político. “Testar e confrontar outros pontos de vista sobre o mesmo tema, ir além das conveniências do que está socialmente estabelecido, é para isso que um debate verdadeiro deve servir.” Para ela, ler algo exigente, com sutileza e densidade, tornou-se um ato de resistência. “Hoje, ler é um gesto quase insurgente.”

A formação do leitor no Brasil, analisa Priscila, é uma questão que remete à própria formação escravista da sociedade. “O letramento dos escravos era indesejado, fizemos a abolição mais tardia em toda a América, e essa demora se reflete também na criação das universidades e na consolidação de um público leitor”, afirma.

Para a professora, a revolução digital representa mais um desafio nesse processo. “A leitura como prática social está sob risco. Ler algo com um certo grau de exigência mental e sutileza é um ato de resistência diante da cultura da imagem.”

Um espaço para conviver com livros 

Atualmente, o Clube de Leitura Metamorfose reúne-se na biblioteca da FDRP e conta com servidores não docentes da USP, estudantes de graduação e pós-graduação de diversos cursos da USP, aposentados, e já participaram alunos do ensino médio. Sobre as leituras escolhidas, Iara destaca a curiosidade do grupo. “Os participantes gostam de conhecer autores que ainda não leram, escritores contemporâneos que estão sendo comentados agora. Evitam aqueles antigos que estudaram na escola e isso não é problema, é um ganho. Acabam descobrindo novas vozes”, diz.

Priscila acredita que a persistência desses clubes representa mais que um passatempo. “A formação de um leitor é um projeto amplo, que envolve um projeto de sociedade. Como transformar um jovem em alguém mais blindado às tecnologias, capaz de resistir ao predomínio da cultural visual?”, questiona. E defende que a criação de políticas culturais e educativas consistentes continuam sendo tarefas urgentes. Nesse contexto, ela destaca a importância de preservar as bibliotecas físicas e de valorizar o professor. “Para despertar o gosto pela leitura em seus alunos o educador precisa estar apaixonado pelo que faz.” E essa paixão, observa, “só se mantém quando há reconhecimento, algo que o salário também representa”.


Susana Oliveira – Estagiária sob supervisão de Rose Talamone e Gabriel Soares – Jornal da USP